O Juizado Especial Federal de Itabaiana condenou o Município de Monte Alegre a pagar indenização no valor de R$ 10.000,00 por danos morais a seis servidores municipais, num total de R$ 60.000,00 só para um processo.
O Sindicato dos Servidores Municipais de Monte Alegre ajuizou diversas ações contra o Município e a Caixa Econômica Federal em razão da inclusão de servidores no SPC e SERASA. Os servidores contraíram empréstimos consignados junto à CEF e o valor das parcelas de pagamento eram descontados mensalmente em suas remunerações. Pelo que alegou a Caixa Econômica, o Município não estava fazendo o repasse para o Banco e os gestores se apropriavam indevidamente desses valores, podendo configurar, inclusive, o crime de apropriação indébita estipulado no código penal.
Em sua sentença o Juiz Almiro José da Rocha excluiu a Caixa Econômica da responsabilidade sobre o dano, mas o Sindicato dos Servidores Municipais de Monte Alegre de Sergipe vai recorrer para imputar também a responsabilidade sobre a Caixa Econômica Federal.
Vejam a íntegra da sentença abaixo
Rodrigo Machado 9808-4713 3211-6336
- SENTENÇA -
01. Com arrimo no art. 38, da Lei n.º 9.099/95, cuja incidência se autoriza em razão do art. 1º, da Lei nº 10.259/2001, dispensa-se o relatório.
02. DA ILEGITIMIDADE PASSIVA
A CEF é parte legítima, já que efetuou a cobrança dos valores que entendeu devidos, com a inscrição do nome das autoras no cadastro de inadimplentes, motivo pelo qual, em tese, assume as conseqüências de eventuais danos provocados por seus atos. Nestes termos, rejeito a preliminar levantada.
MÉRITO
Da inexistência do dever de indenizar em relação à CEF Pacífica a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor no presente caso:
AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO ESPECIAL NÃO ADMITIDO – CONTRATO BANCÁRIO – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – CAPITALIZAÇÃO MENSAL – COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – SÚMULA Nº 05/STJ – 1. Já consolidado o posicionamento da Corte no sentido de que as relações entre os clientes e a instituição financeira traduzem relação de consumo, aplicando-se à espécie, portanto, o Código de Defesa do Consumidor [...] (STJ – AGA 496012 – BA – 3ª T. – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJU 20.10.2003 – p. 00273)
Com efeito. O consenso sobre o tema ensejou a Súmula 297 do STJ, cujo teor é de uma objetividade eloqüente:
297 - O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Pois bem. O corpo normativo em tela cuida de dois sistemas de responsabilização, tratando separadamente os vícios de inadequação e o fato do produto/serviço. A dessemelhança basilar entre ambos reside na presença de repercussão danosa à segurança ou patrimônio lato sensu do consumidor, seara própria da responsabilidade por fato do produto/serviço, enquanto a responsabilidade por vícios colhe os casos em que se verifica a quebra da justa expectativa do consumidor quando da fruição ou utilização do produto/serviço por força de anomalias prejudiciais à sua funcionalidade.
Como o cerne da discussão, segundo assertivas das partes, remete a supostos danos vinculados etiologicamente a um serviço prestado pela demandada, é de se buscar na chamada responsabilidade pelo fato do produto/serviço a tônica para a prestação jurisdicional ora requestada.
Pois bem. Tal responsabilidade, nos moldes do CDC, é objetiva, estando fundada, conforme corrente da qual comungo, no risco da atividade. Dessa sorte, pressupõe os seguintes requisitos:
a) Colocação do produto/serviço no mercado: é o ato humano, comissivo, de lançar ou fazer ingressar em circulação comercial produto/serviço potencialmente danoso. A mera fabricação de um produto defeituoso não constitui, por si, fato antijurídico, mas sim a sua colocação no mercado; b) Relação de Causalidade: é necessária uma relação de causa e efeito entre a colocação no mercado de produto/serviço potencialmente danoso e o dano verificado. O defeito deve ser atribuível ao fornecedor; c) Dano: é o prejuízo causado ao consumidor pela ocorrência de defeito no produto ou serviço. Abrange o dano emergente, moral e/ou material, e os lucros cessantes.
Sucede que, no presente caso, a relação de causalidade não restou suficientemente evidenciada.
A parte autora, é indiscutível, não deu lugar à inadimplência, porquanto suportou, o desconto devido por força do empréstimo concedido pela Caixa Econômica Federal. Nem poderia ser diferente, vez que de sua remuneração era deduzida a correspondente quantia, automática e invariavelmente, pela fonte.
Sem embargo disso, uma parcela do pagamento não chegou – ao menos, tudo indica não ter chegado – à instituição financeira.
Nesse contexto, propõe-se a questão de definir papéis, ou seja, de estabelecer qual o padrão de comportamento exigível, tanto do credor como do devedor, a partir de um ângulo capaz de exprimir quadro de deveres e direitos não exatamente refletido do pequeno universo do pacto celebrado, mas sobretudo das regras gerais imanentes às relações obrigacionais.
Noutras palavras, o que poderia fazer a CEF – ou outro credor em posição idêntica – ao deixar de receber o pagamento, que deveria ter sido descontado da remuneração do devedor? Ora, dar ciência ao obrigado, estipulando prazo para esclarecimento ou satisfação da dívida, constitui medida de extrema razoabilidade e bom senso. Revela boa-fé e, por si só, passa longe de configurar abuso, mostrando-se, ao contrário, salutar para a transparência e lealdade no trato negocial.
Destituído de razão, assim, quem equipara notificação preliminar à cobrança indevida. Pode até representar um simples dissabor, um incômodo inseparável da realidade dinâmica da economia, mas nunca dano moral ou material, pois a notificação enseja ao consumidor a oportunidade de evitar litígios desnecessários ou qualquer tipo de constrangimento, como o registro em cadastros de proteção ao crédito.
O ponto nodal da indagação proposta, dessarte, reside justamente aí: oportunidade para o devedor elidir a aparente inadimplência.
Nesta lide, os anexos 02 a 07 identificam a ocasião em que os autores poderiam ter evitado a inclusão no SERASA, diante do prazo de 10 (dez) dias para posterior liberação da consulta. O que deveria ter feito – assim como outro devedor em posição idêntica – ao receber a notícia de que o pagamento estava em aberto? Ora, procurar o credor, munido dos documentos comprobatórios do desconto em folha, seria a atitude sensata, lógica e natural que todo indivíduo, revestido de prudência mediana, observaria. Simetricamente, tal postura também revelaria boa-fé, prestigiando a transparência e a lealdade no trato negocial.
Não dará a condição de consumidor a alforria dos deveres mais elementares – ainda que não escritos – assumidos por toda e qualquer pessoa que figure no pólo de um liame obrigacional.
O CDC encarna o propósito de assegurar a igualdade entre desiguais, não o de instituir o paternalismo. Por ser assim, limita, v. g., a prerrogativa de inversão do ônus da prova quando, alternativamente, verossímil a alegação ou, em razão de hipossuficiência, o consumidor não disponha de meios concretos para instruir o seu pedido. No caso em apreço, falta a verossimilhança.
Primeiro, não é plausível, foge ao parâmetro do normal, supor que a CEF teria simplesmente ignorado os descontos sobre a remuneração da parte autora, caso tivesse recebido os contracheques. Alguma resposta – positiva ou negativa – a instituição financeira teria emitido.
Segundo, os requerentes sempre tiveram em seu poder os documentos necessários para demonstrar o cumprimento de seus encargos contratuais. Na verdade, apenas os autores poderiam fornecer prova conclusiva: bastaria entregar, mediante recibo, cópia dos já mencionados contracheques à credora, esclarecendo nas oportunidades anteriores à sua inclusão no SERASA o que realmente ocorria.
Cabia, portanto, aos demandantes envidarem as providências necessárias no sentido de demonstrar, durante o prazo demarcado pela notificação preliminar, terem suportado os descontos destinados à satisfação do mútuo, carreando aos autos os elementos capazes de demonstrar tal medida. Se assim agisse, a responsabilização da CEF seria inquestionável.
Entretanto, sua desídia, seu comportamento negligente ao deixar de apresentar esclarecimentos, autorizaria – como autorizou – reputá-la inadimplente, acarretando-lhe os efeitos daí resultantes. Tal postura constituiu condição eficiente para o registro no SERASA e a remessa de aviso de débito (por si só, como visto, incapaz de gerar dano), ao passo em que a credora agiu como todo e qualquer credor agiria, exercitando um direito com firme aparência de legitimidade.
No âmbito da relação contratual estabelecida com a Caixa Econômica Federal, a atuação da demandante, em suma, representa a causa dos danos supostamente experimentados. Não havendo igualmente que se falar em repetição de indébito por parte da CEF. Da responsabilização da fonte pagadora
Inicialmente, vale ressaltar a inaplicabilidade do CDC em relação ao Município réu, pois a relação que se estabelece entre a autora e a referida entidade é empregatícia e não de consumo, nos termos da Lei nº 8.078/90.
Pois bem. Sem prejuízo de todas as ponderações acima lançadas, restou certo, no curso da demanda, que a prestação do mútuo que gerou o débito foi deduzida, em folha, da remuneração da autora. Por outro lado, o Município réu seque contestou.
Assim, a conduta praticada pela acionada apresenta inerente potencial lesivo, porquanto a experiência do homem médio, comum, já permite inferir desse panorama uma inequívoca fonte de angústia e dor. No caso das autoras, pessoas ao que parece de poucas posses, toda economia, toda conquista patrimonial, advém ,normalmente, de muito sacrifício, representando, além de seu conteúdo material, o orgulho de uma vitória alcançada. O oposto, experimentar sua diminuição, por cobrança indevida e constrangimentos daí decorrentes, certamente acarreta desconforto psicológico e sofrimento.
Concertada a inelutável ocorrência de dano moral na espécie, passa-se à tormentosa tarefa de convertê-lo em pecúnia.
Revolvendo-se o conceito de dano moral, advirta-se desde logo sobre a dificuldade de se pesar em dinheiro algo correlacionado à esfera sentimental, espiritual e psicológica da pessoa. Toda e qualquer operação dessa natureza comportará, por menos que se deseje, um certo grau de discricionariedade, uma margem tolerável de liberdade confiada ao julgador para, ponderados aspectos atinentes à personalidade das partes, condições econômicas e gravidade objetiva da ofensa, fixar-se um valor que, a um só tempo, seja significativo para o ofendido, capaz de saciar o desejo de desforra sem importar enriquecimento indevido, e sirva de punição para o culpado, desestimulando-o, mas sem arrasta-lo à penúria.
Na visão de José Raffaelli Santini[1][1]: “O critério de fixação do dano moral não se faz mediante um simples cálculo aritmético. O parecer a que se referem é que sustenta a referida tese. Na verdade, inexistindo critérios previstos por lei a indenização deve ser entregue ao livre arbítrio do julgador que, evidentemente, ao apreciar o caso concreto submetido a exame fará a entrega da prestação jurisdicional de forma livre e consciente, à luz das provas que forem produzidas. Verificará as condições das partes, o nível social, o grau de escolaridade, o prejuízo sofrido pela vítima, a intensidade da culpa e os demais fatores concorrentes para a fixação do dano, haja vista que costumeiramente a regra do direito pode se revestir de flexibilidade para dar a cada um o que é seu."
No prisma objetivo, não foram obtidos elementos para um dimensionamento preciso das repercussões do fato no meio social. No prisma subjetivo, os autores poderiam ter agido com maior zelo. A ré, de seu lado, infringiu um dever, deixando de evitar, quando podia e devia, o fato em evidência.
Noutro giro, a condição econômica dos demandantes deve ser considerada modesta, fator de relevo a se considerar para impedir, como dito, o enriquecimento sem causa.
Em relação à repetição de indébito, não há o que restituir à parte autora, uma vez que os valores são devidos por força contratual, mormente ainda por que deverão ser repassados pelo Município à CEF, para a regularização do débito.
Por fim, deve ser excluído dos cadastros restritivos de crédito o aponte do nome da autora.
03. Diante do exposto:
a) julgo improcedente os pedidos em relação a CEF;
b) julgo procedente, em parte, os pedidos em relação ao Município de Monte Alegre, apenas para condená-lo a indenizar os autores, por danos morais, pagando, a cada um, a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigidos desde a presente sentença e acrescidos de juros simples, no importe de 1,0 % (um por cento) ao mês, após o trânsito em julgado.
c) determino a exclusão dos nomes das autores dos cadastros restritivos de crédito em relação a este contrato.
Sem custas e honorários no primeiro grau.
P. R. I.
ALMIRO JOSÉ DA ROCHA LEMOS
Juiz Federal