domingo, 15 de agosto de 2010

DA CELA PRA GANGAIA

Estava na porta de um sindicato de servidores públicos do sertão sergipano quando passou um agente público guiando uma carroça. Ele todo sem jeito quase não falou comigo. Passou direto com a cabeça abaixada. Um diretor do sindicato chegou ao meu lado e proferiu uma frase que me marcou: “Veja como a vida é engraçada...Da cela à cangaia!”

Da cela à cangaia, ou como o português formal exige, às cangalhas, nesse contexto, significa o rito de passagem de um servidor que exercia um cargo em comissão numa administração pública e contava com toda a pompa dos amigos do poder. Na gestão seguinte, após a derrota eleitoral, teve que voltar para o seu cargo de origem. No caso em apreço, o servidor trabalhava bem vestido - com gravata e tudo -, na frente de um computador. Agora, estava desempenhando a sua função de serviços gerais no transporte de materiais de construção numa carroça. “Cela” é a parte boa da montaria em cavalo, onde se senta no macio. “Cangalhas” representam a estrutura de madeira que dá equilíbrio a carga no lombo do jumento. Ficar em cima disso é uma viagem difícil. Trilha dura e cansativa.

Existe no serviço público dos municípios sergipanos uma imensidão de gente vivendo sob a batuta da “cangaia”. São servidores que ainda não recebem sequer um salário mínimo em seus respectivos salários. Vivem na espera de uma amizade com os chefes do Poder Executivo para alcançar uma gratificação, um cargo em comissão ou função de confiança fora da permissão legal estabelecida no artigo 37, V, da Constituição Federal. É a verdadeira predileção aos príncipes do que aos princípios.

Tais agentes submetidos aos caprichos do clientelismo ainda não contam com o respeito aos direitos básicos como pagamento de hora extra, salário família, insalubridade, licença maternidade, adicional noturno e muitas coisas inacreditáveis. Tem muito trabalhador sem repasse de contribuição previdenciária com dificuldades para a aposentadoria. Uma crueldade sem/com tamanho. Do tamanho da vontade existente em cada trabalhador de ao menos ter direito de valer o seu direito.

Pois bem, essa semana o Tribunal de Justiça de Sergipe deu uma mensagem objetiva na busca pela dignidade do servidor público. Opleno do Tribunal obrigouao Chefe do Poder Executivo do Município de Nossa Senhora da Glória a pagar ao autor de um Mandado de Segurança o salário mínimo em seus vencimentos. O autor recebia menos que R$ 510.

Com a decisão o ente federativo terá que efetivar o salário-base mais abono de complementação no valor de um salário mínimo, não podendo ser a gratificação de periculosidade, insalubridade ou qualquer outra verba remuneratória de caráter pessoal considerada neste cálculo para atingir o mínimo. Tudo isso nos termos da Súmula Vinculante nº 15 do STF.O acórdão ainda não foi publicado, mas o nº do processo é 2009118236 e estará disponível no site www.tjse.jus.br.

Já havíamos levantado a tese em diversos outros julgamentos, mas pela primeira vez conseguimos convencer os Ilustres Desembargadores. O protagonismo do Relator Dr. Netônio Bezerra Machado foi primordial para o imperativo da Justiça.Com tal decisão, o Poder Judiciário sergipano dá um recado em alto e bom som para que os servidores possam se afastar das cangas dos coronéis e passem a trilhar o rumo do Estado de Direito. Que andemos das cangalhas à cela e sem permitir amarras de um curral a ser extirpado. Um viva ao Estado de Direito. Ao Estado Democrático.

Fonte: www.orodrigomachado.blogspot.com


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