Prefeito não cumpre acordo e servidores vão para o SPC
Ter o nome incluso nos Serviços de Proteção ao Crédito, mais conhecido pela sigla SPC, é sinal de dor de cabeça e muito constrangimento. Com o nome “sujo”, nenhuma pessoa pode efetuar qualquer transação no comércio, seja uma simples compra a prazo ou fazer um financiamento. A única saída, neste caso, é procurar a empresa responsável pela negativação para negociar a dívida. Mas e quando a inclusão acontece sem que o “devedor” seja responsável pelo débito? E até mesmo não tenha nem conhecimento de que seu nome foi parar no SPC?
Foi o que aconteceu com servidores públicos da cidade de Monte Alegre, distante 156 quilômetros da capital. Há um ano e meio, a prefeitura do município disponibilizou empréstimos consignados em folha através de convênios com a Caixa Econômica Federal, com o Banese e com a BV Financeira. Com isso, os servidores poderiam efetuar os empréstimos e as parcelas seriam descontadas mensalmente no próprio salário. Entretanto, para a surpresa de cada um, o abatimento até acontecia, mas não era repassado para as instituições credoras.
“Descobri que meu nome estava sujo quando recebi a carta do SPC. Achei estranho porque não tenho cartões de crédito e tão pouco estava devendo em lojas. Quando procurei a empresa para saber o motivo, descobri que a dívida que constava lá era o empréstimo feito através da prefeitura. Pior que isso foi ouvir que eu estava devendo 13 parcelas do empréstimo junto à Caixa Econômica”, relembra o presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Municipal de Monte Alegre (Sinteg), José Reinaldo de Santana.
O presidente conta que tão logo descobriu a dívida procurou a prefeitura para saber o que havia acontecido, mas sem êxito. “Procurei o setor pessoal e eles mandaram desconsiderar o fato, alegando que já estavam resolvendo a situação. Só que no mês seguinte, as cobranças voltaram a aparecer e, quando procurei por eles novamente, responderam a mesma coisa”, relata.
José Reinaldo afirma que alguns servidores já terminaram o contrato, mas permanecem com a dívida. “Esses estão piores do que eu porque já era para estarem livres do débito. Os descontos já não estão sendo feitos em folha, mas a dívida com a instituição permanece. É um absurdo receber cobranças por causa dos erros dos outros. Têm servidores que possuem comércio, precisam do nome para comprar e estão impossibilitados”.
Revoltado, ele diz que sua mulher, também servidora pública, descobriu a inclusão no SPC de forma constrangedora. “Fomos a uma loja comprar calçados. Já havíamos feito o pedido e nos dirigimos ao caixa. Quando ela foi passar o cartão de crédito, a atendente nos informou que a compra não poderia ser concluída por que minha esposa estava com o nome sujo. Ficamos muito envergonhados. Consultamos a empresa e descobrimos que também seria uma dívida com o banco”, conta José Reinaldo, acrescentando que assim como os demais servidores, eles já acionaram a Justiça.
“O sindicato tem um advogado e ele tem nos ajudado muito com a causa. Procuramos o Ministério Público e enviamos um apanhado sobre a situação. O MP abriu uma ação de improbidade administrativa contra o prefeito (João Vieira de Aragão), mas é aquela coisa, estamos esperando que se resolva, porque ele sempre dá um jeito de se isentar”, expõe.
O homem revela ainda que até o vice-prefeito (Dinho de Luzinete) da cidade foi enganado pelo gestor. “Para você ver a que ponto chegamos. Alguém que trabalha junto dele passar por uma situação como essa é um absurdo. O prefeito se defende jogando a responsabilidade para o secretariado, mas não acredito que ele não tenha conhecimento, até porque todos os documentos são assinados por ele e a liberação do empréstimo só acontece mediante a confirmação do mesmo”.
Falsificação
De acordo com José Reinaldo, outro problema aparece quando se trata dos empréstimos consignados. Cerca de 60 pessoas, que não trabalham na prefeitura, conseguiram o benefício utilizando contracheques falsos. “Eles forjaram os contracheques e conseguiram a liberação do dinheiro. Foram valores altíssimos e, como os bancos só aceitam o pagamento total das dívidas, quem sai perdendo somos nós, já que essas pessoas nunca pagarão”, relata.
O presidente do sindicato conta que sobre o assunto o prefeito alega não ter envolvimento e afirma que não vai pagar. “Na realidade, na última vez que nos reunimos com o prefeito, ele disse que essas pessoas não são funcionárias da prefeitura. Ele alega ainda que uns dos motivos para nosso problema não ser resolvido são esses empréstimos. Ele teria que pagar não só a nossa dívida, mas a dessas pessoas desconhecidas, as quais ele disse que não se responsabiliza. Ficamos de mão atadas”, declara.
Sem valor
Assim como José Reinaldo, outra servidora faz questão de demonstrar sua insatisfação. Irailde Pereira Bonfim, que trabalha no setor público há 24 anos, afirma nunca ter presenciado algo semelhante no município. “Eu não sei o que o prefeito pensa. Tanto tempo que trabalho na prefeitura e nunca vi nada parecido. Sempre fizemos empréstimos consignados descontados em folha e tudo corria normalmente”, conta.
Chateada, a mulher diz ter recorrido ao empréstimo para resolver problemas pessoais, mas ressalta que, se pudesse prever o fato, jamais teria feito. “Me vejo pior do que quando contraí o benefício. Na época, peguei R$ 5 mil. Como fiz empréstimo em duas instituições, tenho atualmente 17 prestações atrasadas na BV Financeira e dois anos de dívida com o banco. Se eu for calcular o valor do débito hoje, é muito maior”, contabiliza.
Irailde diz se sentir tão mal com a situação que muitas vezes se esconde dentro da própria casa para não receber cobranças. “Eu me sinto igual a um cheque sem fundo, sem valor algum.
Quando vocês chegaram à minha procura, pedi para meu filho avisar que eu não estava. Isso, porque sinto muita vergonha das cobranças que chegam aqui. Quando eu pegava meus empréstimos, pagava minhas contas em dia, me organizava e ainda resolvia minhas coisas. Hoje não posso fazer isso”, revela.
A servidora conta que a Justiça já limpou o nome de alguns funcionários, mas que ainda assim todos estão sem crédito na praça. “O nome foi limpo, mas o problema persiste. Hoje, esses que estão sem registro no SPC podem comprar no comércio, mas os servidores públicos de Monte Alegre estão completamente manchados perante as agências bancárias de todo o Estado. Se você chegar ao banco e pedir um talão de cheque receberá a resposta que eu recebi de um gerente, de que eles não nos emprestam R$ 100, quanto mais folhas de cheque”, ressalta.
Multa
De acordo com o advogado do sindicato, Rodrigo Machado, uma ação judicial foi movida contra a prefeitura. “Em 1ª instância, a Justiça condenou o município a pagar de R$ 5 a R$ 15 mil por cada servidor cujo nome foi inserido no SPC por conta do empréstimo, mas a prefeitura recorreu. Por conta disso, nenhum servidor beneficiado pela ação recebeu o dinheiro. No entanto, continuaremos lutando para solucionar o problema”, assegura.
O advogado confirma a história de Irailde e diz que os demais servidores assistenciados por ele também reclamam da discriminação sofrida em agências bancárias. “É muito complicado. Se qualquer funcionário municipal chegar em um banco e apresentar primeiramente seu contracheque, irá receber a resposta de que o limite de crédito para o valor apresentado é grande. No entanto, ao comunicarem que são de Monte Alegre, logo serão discriminados. Isso já ganhou uma repercussão tão grande nas agências que a resposta é unânime por todo o Estado”.
“Sem contar que o prefeito é conhecido, tanto no município quanto nas demais cidades, como mau pagador. O lamentável é que os servidores sofram graças à atitude dele. O prefeito, sem dúvida, está patrocinando um prejuízo absurdo não só para os servidores, mas para todo o município. Nunca vi uma prefeitura tão desorganizada com o dinheiro público”, pondera.
O JORNAL DA CIDADE tentou contato com o prefeito Aragão para ouvir dele as justificativas para o problema, mas ele não foi localizado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário